DIARIO DE BORDO - NA "TERRA SANTA"
Para dizer a verdade, nem sei como escrever... Tenho a coisa aqui dentro, apertada, querendo sair... temo não conseguir soltar como gostaria... Vamos lá!
Faz três dias que retornei de uma viagem de oito dias na Terra Santa (Israel, Palestina, Jerusalém...). A bem da verdade, ainda não voltei, completamente. Um pedaço de mim está ainda girando por lá, nos sonhos, na memória, nas imagens, nos sorrisos de bom dia dos focolarinos e focolarinas que me encontro agora nos corredores ou na cafeteria aqui do Centro do Movimento em Roma.. (éramos em quase 90 pessoas... todo o Conselho Geral do Movimento, com a Emmaus, a Presidente e Giancarlo, o co-Presidente). Nunca imaginei participar de uma coisa assim, tão extraordinária, tão forte, tão intensa, profunda e emocionante, tudo junto, desse modo como vivemos. A motivação que originou tudo, é que devíamos fazer uma parada de quatro dias, como retiro que fazemos todos os anos nessa época. Emmaus deveria visitar o Movimento na Região de Israel e Palestina, onde existe uma bela comunidade, variada, múltipla, diversificada, que abriga palestinos católicos, católicos de rito bizantino, oriental, ordotoxos, copta, sirianos, armênios, mas também muçulmanos e hebreus. Ela viajou 10 dias antes, com Giancarlo, e nos esperou por lá, para o nosso retiro que foi na Galiléia, exatamente no monte das Bem-Aventuranças (no "Domus Galileae', lindo local mantido pelos missionarios do Caminho Catecumenal). Da janela do meu quarto, no alto, se via quase todo o lago da Galiléia, região onde Jesus viveu, exerceu sua missão, encontrou os discípulos, multiplicou pão, peixe, mas também multiplicou a esperança, a certeza que existe um Pai que ama a todos... A partir do quinto dia, começamos a seguir os passos de Jesus de Nazaré... pelas cidadezinhas de Cafarnaum, Garizim, Genesareth, Tiberíades. Pedras removidas, sinais deixados... parecia ouvir a voz do mestre, encontrá-lo sentado a falar, a rezar, a distribuir o pão... a curar e abençoar. Compreende-se porque tanta gente, como Charles de Foucauld, Péguy, a mesma Chiara em 1956, encontrando-se lá, experimentaram um forte desejo de permanecer por lá, de não mais voltar... Só havia sentido isso antes, forte, depois de minha primeira Mariápolis, em 1967, no Ipiranga. E agora... A experiência profunda é que parece até que não é você que vai por lá, é o lá que vem até você e se comunica com você. Certamente o grupo (privilegiado!) contribuiu muito para isso. O desejo de tê-Lo já em nosso meio, de modo espiritual, é uma ajuda preciosa, para ter a luz de reconhecer de modo simples seus passos, seu ambiente, seu ensinamento, e receber interiormente sua voz, silenciosa mas audível... Não foi dessa vez que caminhamos sobre as águas do Lago da Galiléia. Não saímos do barco, porque não houve nenhuma tempestade... só havia o silêncio, numa manhã clara em que as aves brancas revoavam o barco e nos acompanhavam para dentro do lago. Não havia peixes a pescar, mas havia a paz, o silêncio e a brisa leve que nos acariciava. Depois rumamos para o Monte Tabor... alto. Os ônibus ficam em baixo... não sobem... com um grupo subimos a pé (para os mais rápidos 45 minutos tudo subida e curvas!). Depois, Nazaré, ali perto. Lá nos esperava um monte de gente... jovens, crianças, famílias, padres, bispos... gente da Obra de Maria, que viera nos encontrar, até de Haifa, a 80 quilômetros, à beira mar. A missa no santuário da Anunciação. Como esquecer? Era a cidade de Maria. José, que era de Belém, "da estirpe de Davi", havia se transferido lá para o trabalho de construções. Tinha a sua casa, onde provavelmente recebeu Maria em casamento, após o evento da anunciação. Sinais grifados nas pedras, dos séculos III e IV, ainda dizem da origem daquelas ruínas como possível residência da Família de Nazaré... À noite, rumamos para Jerusalém, 180 quilômetros.
Acordamos em Jerusalém... Não era surreal... era real. Estávamos ali, alojados bem na frente da Porta de Davi: Notre Dame Center. A cidade amanhecia sábado, sagrado para os hebreus. Vamos encontrá-los em multidão no Muro das Lamentações... em seus hábitos extravagantes quase sempre de preto, em desfiles de chapéus os mais esquisitos... roupas que distinguem e diferem entre si as variadas "seitas" dentro do próprio judaísmo... E quanta gente... todo mundo fala, canta, reza em voz alta, quase cada um por sua conta... Parecem querer, ainda hoje, chorar pela destruição de seu templo, várias vezes arrasado... Hoje não existe mais nada que Mesquitas (duas só no lugar do antigo templo). A cidadezinha antiga, é toda dividida, entre muçulmanos, judeus, armênios, em suas manifestações religiosas, que na história foram ocupando os lugares, os templos, que defendem até os dentes... Nos lugares como o Gólgota, o local da crucifixão, é totalmente rachado em 6 ou 7 religiões, cada uma reclamando como sua propriedade... Mas a experiência que fica, não é essa divisão que beira ao infinito, mas o lugar, o significado, o desejo de todo mundo de encontrar alguém... que não está ali, porque ressuscitou, mas que a terra contém seus sinais, seus lugares, e que se pode ver, conhecer, se aproximar e se inspirar.
Quantas coisas... Um dos momentos mais fortes para nós, que nascemos do espírito da unidade de Chiara Lubich, é a aproximação da escada que desce do Cenáculo, que atravessando o vale do Cedron, vai até o Getsêmani, ou Jardim das Oliveiras, onde, segundo o Evangelho de S. João, é o local onde Jesus proferiu a Oração pela Unidade, "Que Todos sejam Um". O Movimento, ao longo dos anos, conseguiu um terrano vago, praticamente à beira dessa escada, que ainda está bem conservada. Um terreno bonito, em pendência, logo abaixo de Sion, a antiga Cidade de Davi, que precedeu a Jerusalém atual. Foi emocionante nos encontrarmos nessa escada. Tudo indica que foi por ali também onde depois Jesus subiu, já como prisioneiro, para ir até a casa de Caifás, também pertinho do terreno. A prefeitura de Jerusalém está estudando a proposta nossa de construir algo nesse terreno. Primeiro seria uma espécie de Jardim, um horto florestal (que falta muito à cidade), depois, um pequeno anfiteatro aberto, e... se Deus quiser... um pequeno local que poderia acolher pessoas, como Chiara previa, onde viver a experiência da unidade especialmente com judeus, em torno da pessoa de Jesus Cristo e sua herança, e a herança do povo hebreu presente nas Sagradas Escrituras... Um local para se viver a Unidade, concretamente. Um sonho. Um sonho, porque o que fica forte, especialmente saindo da cidade e indo para os territórios palestinos, se sente a divisão, de modo incrível: a cidadezinha de Belém, fica logo ali, mas separada pelos muros construídos pelos judeus... A população vive sufocada... não pode entrar em Jerusalém, não pode trabalhar, fechada como em uma ilha... onde a revolta, a fúria e a dor crescem cada vez mais... Antes desses muros de separação, fica o Estado de Israel, onde impera o medo: medo a toda hora de ser atacado, ser devastado outra vez, de perder o que possui, o que conseguiu... Medo e rancor... de um lado e de outro... Indo visitar a região árabe de Belém, onde está presente um focolare feminino, e onde existe uma comunidade do movimento muito especial, particularmente linda! Quanta esperança incutiu em nosso coração, estando lá! Esperança que um dia os Judeus enxerguem os palestinos como próximos, assim como o samaritano enxergou o judeu à beira da estrada e o curou, como está nos Evangelhos! E que os palestinos, saibam ver também, o significado desse povo hebreu, que foi sempre enxotado de um lugar para o outro, perseguido... quem sabe... uma esperança para o mundo! Na última noite, fizemos uma "festa", uma recepção, no auditório do Notre Dame Center: vieram uns 50 hebreus, autoridades palestinas, povo, religiosos, gente de todo lado: umas 200 pessoas. Meia hora de arte, duas artistas judias fizeram uma apresentação clássica de Harpa e flauta... de nível; depois crianças palestineses dançavam, com encanto; depois um coral de uma escola esraelita cantou com graça e garbo... Depois, a confraternização em torno de um buffet em duas partes: uma para os hebreus, alimento "coshe", e outra mesa para todos os outros... Mas que alegria! Estarmos juntos! Falarmos de nossas experiências, conhecermos uns aos outros... em que língua? Talvez aquela da unidade, do amor, depois as que se conseguiam se comunicar... Que clima: uma atmosfera de amigos que querem se conhecer, e que querem permanecer unidos...
Partimos de volta, com toda a burocracia da segurança no aeroporto de Tel Aviv... seja para entrar no pa is como para sair... quase quatro horas... que poderiam se transformar em revolta devido ao exagero... mas a compreensão, a paciência, adquiridos nos dias vividos, deram asas para superarmos até esse fato, que não deve deixar as marcas negativas, mas sim, como uma moeda para ajudar a transformar a divisão!